"E tu, bondosa alma, que te sentes tão angustiada como ela...
Consola-te com os seus sofrimentos, e permite que esta pequena personagem se torne sua amiga
(com todo vosso zelo e compaixão) que, por destino ou culpa própria, não tiveres outro mais próximo.
Não poderei recusar vossa admiração e amor para essa alma, nem ao seu caráter.
E com lágrimas, acompanhe o seu destino."

Sofrimentos do Jovem Werther (Primeiro Livro) - Goethe

terça-feira, 5 de julho de 2011

35_ Erradicando os pecados I

   As mesmas torres que viu uma vez tocarem as nuvens devido a suas alturas; os mesmos mosaicos dramatizando cenas divinas; o canto do coral que fugia do prédio e corria pelas ruas paralelas. Camilla foi muito bem muito bem recebida na catedral, a tempo de assistir o final do culto.
   Após alguns instantes o ancião veio ao seu encontro. De imediato, Camilla foi abraçá-lo, mas o senhor a impediu ao estender a mão sorrindo e procurando seus olhos lacrimosos como sempre.
— Deixe-me adivinhar, confusa?
— Na verdade não. Sei o que está acontecendo, mas...
— Não sabe como acabar com isso tudo?

   Na verdade, ela sabia sim. Passou-se quase meia hora e o padre já tinha conhecimento de todos os seus pesares. E pior ainda:
 — Camilla, não consigo imaginar como uma pessoa pode ser tão tola, a ponto de pensar isso. A simples idéia me causa medo.
 — Não sei por que as pessoas, quando falam de alguma coisa, logo precisam se dizer: isso é insensato, aquilo é inteligente, isto é bom, aquilo é mau. O que representa todas essas palavras? As pessoas são tão rápidas no julgamento, podem até determinar, com absoluta certeza, por que o ato aconteceu, por que era inevitável? Se assim fosse, não pronunciariam sentenças de maneira tão precipitada.
 — Mas você precisa concordar comigo que certas ações são imorais, quaisquer que sejam os seus motivos.
 — No entanto, senhor, também há algumas exceções. É verdade que o roubo é imoral: mas o homem que se torna ladrão para salvar a si próprio e à família de morrer de fome, esse homem merece compaixão ou castigo?

   Naquela hora, a jovem estava sorrindo, provavelmente fora de si. Mas como prometido, o ancião estava ali para escutar e ajudar ela, não importa o que acontecesse, pois ele conhecia a ingenuidade da garota.
— Como vocês são sensatos! Paixão, ebriedade, loucura! Há sempre os defensores da moral, tudo contemplam com tanta calma, tão indiferentes. Vocês recriminaram o bêbado, desprezam o louco, por todos passam como um sacerdote, agradecendo a Deus por Ele não os ter feito iguais a esses infelizes.
 — Minha filha, isso tudo é esquisitice que todos pensam. Exageram em tudo, e pelo menos neste ponto eles te enganaram ao comparar o suicídio, do qual estamos falando, com as grandes ações, quando na verdade só podemos considerá-lo como fraqueza. Porque realmente é mais fácil morrer do que suportar corajosamente uma vida sofrida.

   Eis as palavras, os pensamentos renegados que vieram à tona. Prometeu a si mesma que não iria mais tocar nesse assunto, mas precisava colocar um ponto final em suas idéias. Foi por esse motivo que veio a procura do padre. Mas até agora, nada havia mudado, e o sentimento de insatisfação começou a latejar em sua cabeça.

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