"E tu, bondosa alma, que te sentes tão angustiada como ela...
Consola-te com os seus sofrimentos, e permite que esta pequena personagem se torne sua amiga
(com todo vosso zelo e compaixão) que, por destino ou culpa própria, não tiveres outro mais próximo.
Não poderei recusar vossa admiração e amor para essa alma, nem ao seu caráter.
E com lágrimas, acompanhe o seu destino."

Sofrimentos do Jovem Werther (Primeiro Livro) - Goethe

quinta-feira, 2 de junho de 2011

14_ A cidade está tranquila

   No mesmo instante, duas pessoas olhavam por janelas distintas, em casas longe uma da outra. A primeira observava as estrelas e a lua graciosa, enquanto Camilla, convivendo com a solidão do quarto, enxergava apenas as nuvens que a impediam de fugir para o céu. Pegou uma caneta qualquer do estojo e pensou em esvaziar a mente, deixar fluir os pensamentos.

   “Diário, meu Querido Diário...”

   Uma lágrima pingou dos seus olhos tristes e molhou o papel que mal tinha sido riscado pela caneta, borrando um pedaço da última palavra. Secou o rosto na manga da blusa, manchando toda a sombra que estava usando. Não sabia como lidar com as palavras da mãe, e mesmo experiente na arte de chorar, de expor seus sentimentos ao melhor amigo, hoje não foi possível continuar com as suas expectativas.
   Estava se perguntando como podiam existir pessoas assim no mundo, comodistas, oportunistas e indulgentes. São aquelas que deixam acontecerem, as que fazem acontecer e as que perguntam o que aconteceu. Insatisfeita, não se enxergou como uma das três, mas todas ao mesmo tempo.
   Ainda que cedo, a mãe avisara a filha que, a procura dela, o pai sofrera um acidente de carro. Queria não citar os detalhes, mas a filha insistira por isso, e não conseguiu desviar sua atenção. Segundo ela, preocupados com a ausência da garota que não deixou nenhum bilhete, decidiram procura-la pela vizinhança, mas todos haviam dito que ela saíra muito cedo de casa e caminhara cabisbaixa em direção à avenida. O pai passou a tarde atrás dela, mas sem sucesso, então voltou a procurar as seis da tarde. Foi quando estava parado num cruzamento esperando o farol verde acender, um caminhão ignorou o sinal vermelho e bateu na lateral direita do carro. Por causa do impacto, o veículo foi arremessado até o poste. Isso tudo foi o suficiente para levá-lo ao hospital com algumas costelas fraturadas e o pulmão esquerdo perfurado, além do estado de saúde instável, um equilíbrio que se destrói pela menor perturbação que possa ser adicionada.
   A mãe sabia que a filha iria se culpar pelo acidente e dizer que se não tivesse saído de casa, o pai estaria saudável. A única coisa que podia ser feita agora era segurar a mão dela e secar suas lágrimas, dizer que logo ele iria se recuperar e a família voltaria a se reunir. Camilla queria acreditar nisso, mas não conseguia. No fundo da alma, tinha noção do tamanho da tragédia que causou por insistir em seus ideais falhos. Só lhe restava aderir às idéias da mãe, e crer que a cidade dormirá tranquila.

Um comentário:

  1. Vi teu blog publicado no da Mila. Consegui um tempinho para a leitura...
    E valeu a pena acessar, gostei muito do seu estilo!

    Quando estiver com mais tempo leio outras obras.
    Deixo aqui o link do meu blog caso tenha interesse: www.rafabernardino.blogspot.com

    Abraço!!!

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