"E tu, bondosa alma, que te sentes tão angustiada como ela...
Consola-te com os seus sofrimentos, e permite que esta pequena personagem se torne sua amiga
(com todo vosso zelo e compaixão) que, por destino ou culpa própria, não tiveres outro mais próximo.
Não poderei recusar vossa admiração e amor para essa alma, nem ao seu caráter.
E com lágrimas, acompanhe o seu destino."

Sofrimentos do Jovem Werther (Primeiro Livro) - Goethe

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

60_ O mártir e a inquisição


   Relógios quebrados deixaram de marcar as horas. Mãos calejadas de socar a parede não se moviam mais.
   De um lado do quarto, encostada na parede, uma jovem com a consciência de mil pecadores e a cabeça baixa. Na sua frente, sua vítima agonizando em silêncio; a tinta volátil escorria de suas páginas até o tapete e evaporava deixando para trás uma fumaça escura, tão densa quanto a mente de sua antiga dona.
   A garota, sem medo algum, nem lágrimas nos olhos, tinha apenas tempo para tomar fôlego, e fracassou em respirar.
   Essa culpa a dominou e comprimiu seu peito. A confusão a deixou cega (mentalmente e fisicamente) e assim, a jovem conseguia ver algo realmente único, como uma estrela brilhante pela noite afora, mas isso não passava de uma esperança boba de estar com a cabeça sã. Seus olhos procuraram em vão apenas o que estava por traz dessa cega noção, que várias vezes enganou a cabeça dela. Seu amigo, se ainda existisse, diria que há quem chame isso de estupidez, mas como o amor ou ódio, sua culpa é falsa ou verdadeira? Mas quem, com íntegro escrúpulo, já ouviu um ser sucumbido falar?

   Depois de tanto olhar para a pilha de folhas manchadas sem achar explicação, Camilla olhou para cima, olhou para as paredes, através da janela, como se fosse encarar aquele que lhe deu a voz um dia, que a fez chorar e sorrir, que emprestou sua vida e a tomaria uma noite qualquer, sem aviso prévio. Talvez na mesma noite que estivesse deitada em sua cama sem fazer absolutamente nada.
 — Quem é você para fazer da sua onipotência o direito de decidir o meu destino?

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