"E tu, bondosa alma, que te sentes tão angustiada como ela...
Consola-te com os seus sofrimentos, e permite que esta pequena personagem se torne sua amiga
(com todo vosso zelo e compaixão) que, por destino ou culpa própria, não tiveres outro mais próximo.
Não poderei recusar vossa admiração e amor para essa alma, nem ao seu caráter.
E com lágrimas, acompanhe o seu destino."

Sofrimentos do Jovem Werther (Primeiro Livro) - Goethe

sábado, 24 de setembro de 2011

64_ O pequeno príncipe


   Sentado nas escadas, de frente para um grande restaurante, um garotinho assistia a uma cena de teatro sem ter entrado num: uma única mulher ajudava vários rapazes bêbados a ficarem em pé. Ao mesmo tempo, sentia pena e aversão dos mais velhos, sem vontade nenhuma de ocupar seus lugares. Já sabia que aquela garrafa que eles carregavam não trazia felicidade.

   Era um garoto muito magro com roupas rasgadas nos cotovelos e joelhos. Um par de sapatos lhe dava proteção contra o piso frio, mas as meias eram ausentes. O gorro cobria boa parte do seu cabelo liso e os olhos se tornavam tão vivos sob a luz das lâmpadas que eram facilmente notados a uma grande distância.
Mas algumas vezes a vida tinha sido má, e logo cedo ele viu sua mãe falecer por causas naturais. Sabia que tinha que seguir em frente, embora doesse ser forte.
   Mas outras vezes a vida também foi injusta, e tão jovem se tornou órfão. Foi então mandado para um albergue, e de lá fugiu inúmeras vezes para lugares distintos; todas essas vezes que trocava de teto, ouvia a si mesmo dizendo que tudo estava bem, e que a paz estava chegando. Foi preso por roubar alimento, mas neste instante apenas observava uma festa e seus convidados.
   Feliz, ria agora como se devia ter rido nos seus poucos anos de vida. Levantou-se e caminhou em direção a garota. Não tinha o que dizer e quanto mais se aproximava dela, mais corado ficava.
 — Com licença moça. Você é muito bonita...
 — Ah, obrigada.
 — ...Mas porque está aqui no frio?
 — Só vim para curtir a noite, esquecer alguns problemas. E você?
 — Bom... Digamos que eu também...
 — Mas você é muito novo, seus pais não vão ficar preocupados?
 — Quando eu chegar a casa, converso com eles. Mas e os seus?

   Dias depois, Camilla descobriu quem era aquele garoto que conheceu naquela noite. Procurou por ele várias noites seguidas, mas ninguém chegou a vê-lo após a festa. Talvez o pior já houvesse acontecido, mas, após tudo que havia acontecido a ele, começou a acreditar que não tinha coisa pior para acontecer.



[Dedicado à amiga Priscila Pereira Caforio. Perdoe-me pela delonga.]

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